domingo, 22 de julho de 2007

The TV Cave

Acorda, pega o isqueiro, o cilindro cancerígeno e leva o último até a boca. Ainda se encontra deitada, com metade do rosto iluminado pelo dia. Basta um encontro de luzes e o marlboro está aceso. E ela traga sem piscar.

Ana Luzia é uma menina amarela; nunca sai, não janta fora, nem encontra amigos. Só tem um hobbie, com o qual ocupa o dia inteiro, assistir televisão.

Por isso, logo depois de seu cigarro, estendeu a mão até o controle remoto e ligou todos os seus fetiches, sonhos e aspirações de uma só vez...

O que ela encontrou foi um daqueles programas de culinária, uma tal de Claudete dando a receita de uma torta de chocolate. E nos intervalos, como de costume, estavam os aparelhos emagrecedores, os cremes anti-celulite, a máscara contra espinhas.

Ana se viu num paradoxo, do qual nós somos vítimas ao assistir programas como esse, ela não sabia se comia uma torta de chocolate ou se ligava para o "zero-onze-quatorze-zero-meia"a fim de pedir o abshaper, o aparelho que dá choques na barriga e "faz"com que as gorduras de tortas de chocolate vão embora.

Enfim o que ela decidiu foi mesmo comer, pois o estômago já parecia roncar, e ela poderia "malhar com a Claudete" e um grupo de lambaeróbica que estariam na telinha às duas da tarde.

Luzia morava sozinha, e nunca aprendera a cozinhar, então pediu uma torta por telefone e a comeu assistindo ao programa da Frangélica, onde Fábio Assunção contava sobre o sexo entre ele e sua namorada, como eles se vestiam um para o outro, a hora certa de pôr a camisinha; enquanto a apresentadora suspirava e concordava.

A menina não se incomodou com a entrevista que assistia, até que a namorada de Fábio apareceu na TV e deu um beijo no namorado. Nessa hora Ana sentiu uma dor de enjôo que a fez parar de comer. Foi então até a janela e olhou para todas as pessoas que andavam pelas ruas, olhou para um bar que ficava de frente para sua casa e assistiu as pessoas se divertindo. Mas, de alguma forma, elas não a convidavam, nem a faziam se sentir bem, como na televisão.

Por isso, a dor começou a aumentar e uma lágrima quase caiu, porém Luzia recuperou suas forças ao olhar para o caixote eletrônico; um filme de amor começaria dali a duas horas e o coração dela voltou a bater apressado e "feliz".

A história era de um casal de adolescentes que estudavam na mesma escola e se apaixonam, e após vários conflitos, trapalhadas, erros e acertos eles terminam juntos e felizes para sempre.

Com a TV ainda ligada, Ana enxuga as lágrimas de seu rosto e vai até o banheiro, porém não esquece de aumentar o volume para ouvir quando a ginástica da Claudete vai começar. Faz tudo apressado, dá descarga, lava as mãos e volta correndo para o seu quarto-sala, quando ouve a chamada do programa.

A lambaeróbica começa, os movimentos são repetidos por Ana que se cansa rápido, faz um bom tempo que ela anda fora de forma, desde os seis anos de idade, quando os pais começaram a deixá-la assistir televisão até tarde da noite. Ela dormia tarde, acordava tarde, portanto desencanava das atividades do dia e passou a comer muito mais, também pelo fato de "estar em fase de crescimento", como diz a lenda.

Enfim, depois de meia hora ela terminou os exercícios e resolveu deitar em sua cama. Pegou o controle, abaixou o volume e afundou a cabeça no travesseiro. Não conseguiu dormir, então levantou-se, caminhou até a cozinha, fez um hamburger e foi comer em sua cama. Assistiu a qualquer outra novela da globo. E voltou à cozinha, a fim de deixar seu prato no lava-louças.

Ia abrindo vagarosamete a máquina, quando subitamente a campainha tocou em um volume exagerado. Com o susto, Ana Luzia quebrou o prato. Porém sua reação seguinte não foi surpreendente, muito menos desesperada, não costumava ser assim, portanto caminhou até a porta e cumprimentou a única pessoa que a visitava toda semana, sua mãe.

Ana disse oi, a mãe, Lúcia, respondeu angustiada, a relação das duas era vazia, não possuíam nada em comum, nem se abraçavam muito.

Já dentro da casa, as duas se olharam e nada tinham pra trocar, então Dona Lúcia foi até a cozinha fazer uma pipoca, e Ana sem sorrisos a convidou para assistir televisão.

Então elas caminharam até a cama de Ana e por lá ficaram até que Luzia adormecesse. E pela primeira vez no dia a vida da menina foi desligada por um pesado controle remoto, e a mãe a cobriu e deu um beijo em seu rosto amarelado despedindo-se. Foi embora...deixando sua filha só na escuridão.

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