sexta-feira, 9 de maio de 2008

Quero lama pelos poros

"Era ainda jovem demais para saber que a memória do coração elimina as más lembranças e enaltece as boas e que graças a esse artifício conseguimos suportar o passado". A frase é de García Márquez, o colombiano que consegue permear o tempo, como se conseguisse voltar cem anos atrás e arrancar pedaços de momentos para trazer até nós. A frase é de um tom pessimista, mas serve para botar os pés no chão, bem perto das ranhuras de um solo seco em que pisamos. A minha mania de elocubrar é absurda. Tenho vivido de mitificar os outros. Não todos. Especificamente uma pessoa. Não por minha culpa, eu tentei pegar a realidade pela mão, sentir o mais duro dos encontros entre os corpos. Um duro que pode se tornar líquido, que desejo tornar líquido. Mas que só pode assim se fazer, se deixar conhecer. Com uma puta audácia, trocaria o "suportar o passado", por suportar o presente. Porque tenho tido a necessidade de recorrer à ficção para suportar a realidade, para entendê-la. Trata-se de um desespero de deixar as delícias serem adiadas. Querodeixar de pisar em ovos, quero ou flutuar, ou afundar os pés na lama.

Nenhum comentário: